Carrol Shelby - O Homem e suas máquinas maravilhosas
Essa é uma modesta tentativa de se fazer uma biografia automobilística de um dos homens que mudaram a forma de se ver o carro esporte. Indiretamente levou a esportividade sobre quatro rodas das pistas para as ruas. Como são vários carros, tentarei fazer um capítulo por modelo e acreditem, vocês terão algumas surpresas (bem agradáveis) pelo caminho. Mas se você for um tiffosi fanático, desses que desprezam a Dino, vai todo ano a Maranello em sua peregrinação anual ao santuário de Don Enzo e acha uma afronta quando um desses tunadores ousam por a mão em uma das bellas máchinas que ostentam o escudo do Cavalino Rampante, eu o dispenso de ler as próximas linhas. E para o resto de nós, meros mortais, uma boa diversão:
Parte I - 50 Anos do Cobra
Antes do AC Cobra, a fórmula “Motorzão” e “Carrinho” era algo restrito aos T-Buckets que não eram tão “carrinhos” assim. Para quem não sabe um "T-Bucket" era basicamente um Ford T de carroceria aberta ou com teto rígido retirado com as portas soldadas para ganhar mais rigidez torcional. O "bucket" era porque quando chovia o cockpit virava um balde (a tradução para o português) literalmente por falta de ponto de drenagem.
Tinha o Lotus 7 que fora lançado 5 anos antes, em 1957, mas na época só usava motores de baixa cilindrada que garantiam uma pilotagem divertida graças ao peso-pena de 550 kg.
Antes, vamos dar uma geral sobre como era o cenário americano e europeu no fim dos anos 50 e comecinho dos 60:
Na Europa praticamente recuperada do pós guerra, além dos carros comuns, populares e microcarros, havia os de alto luxo e também havia opções esportivas para todos os bolsos e gostos: Desde refinados (e caríssimos) grã-turismo com carrocerias artesanais elegantes feitos por refinadas “carrozieres” como Pinin Farina (na época com nome e apelido separados, que se uniriam em 1961), Guia, Frua e Bertone só para ficar nos mais conhecidos à opções de divertidos roadsters, especialmente os ingleses. Esses últimos encantaram os soldados americanos que lutaram na 2ª Grande Guerra pelo jeito divertido de se conduzir, ao contrário dos sedãs e peruas de sua terra natal. Nos EUA praticamente só havia carros pesadões, letárgicos e molengas que eram mais adequados para levar famílias para a igreja do que uma tarde de farra e diversão em alguma estrada esquecida por aí, apesar da maioria vir equipados com motores razoáveis (por lá) de seis cilindros em linha ou os mais potentes na tradicional configuração V8.
Ao contrário dos carrões americanos, cheios de frufrus, cromados, estofados e câmbios automáticos que escorregavam mais que calçadas de mármore em dia de chuva, e isso quando não estavam equipados com três longuíssima marchas, os roadsters ingleses eram baratos, estáveis e tinham acelerações e comportamento divertidos apesar das motorizações que fariam qualquer fã da “Mopar” rir. Até a hora de acelerar.
Só tinham o Corvette, fiel à escola europeia de carrocerias mais leves e que tinha acabado de ganhar o seu tardio V8 em 1955 e o Thunderbird, que em sua segunda geração começou a engordar e ficar mais “caseiro” como um atleta que acabou de se aposentar (se tem dúvida disso é só olhar o Ronaldo Fofômeno e outros jogadores aposentados que viram comentaristas de TV).
Carrol Shelby, um texano natural de Leesburg, Texas, que havia corrido anos antes pela Maseratti e Aston Martin na Fórmula 1, chegando a ganhar as 24 horas de Le Mans pela última, estava aposentado como piloto devido a um problema cardíaco. Longe do automobilismo havia tentado uma carreira como criador de frangos até que um fungo pôs fim às suas pretensões de granjeiro. Com boas relações com a Ford, acompanhava de perto a situação de vários fabricantes europeus de carros. Uma delas, a inglesa AC passava por dificuldades. Seu principal produto, o Ace, era equipado com o motor de seis cilindros em linha da conterrânea Bristol, mas era caro e de manutenção dispendiosa. Foi trocado pelo motor usado nos Ford ingleses Zephir, mas o motor barato não atraiu vendas apesar do preço mais em conta do carro.
Sabedor dos problemas da fabricante inglesa e dono de uma boa lábia, convenceu os donos da AC a fornecer carrocerias sob a promessa de que a Ford americana cederia seus V8 de bom grado para a fabricante inglesa. Juntando uma boa equipe, preparou um AC Ace com um V8 de 260 cv e torque de 37,2 kgm/f (dados de potência brutos) que foi batizado de CSX0001, também o seu número de chassi. Também era conhecido como 260, que era o equivalente em polegadas cúbicas o deslocamento de 4.2l. O "CSX" vinha de Carroll Shelby Experimental (Experimental sempre com "X" em siglas de língua inglesa). Para se ter uma idéia, se usarmos o Mille Economy como “carro padrão”, o Ace era só 150 kg (950 kg) mais pesado que o veterano e tinha à sua disposição 4 vezes à sua potência e quase 5 vezes o torque. O que contribuía para o baixo peso era o chassi e a carroceria em alumínio, material usado fartamente pelos europeus para compensar a escassez inicial do aço no pós-guerra, e depois usado para diminuir o peso dos esportivos. Isso em uma época em que plásticos eram para brinquedos, compósitos especiais eram matéria para contos de ficção científica, e fibra de carbono uma sonho distante e inalpapável. Lançado em fevereiro de 1962, contou com um bom amigo, gerente da divisão de competições da stock car americana, que tinha um relacionamento com a rede de concessionários da Ford para apresentar o carro.
Foto da traseira do mesmo carro, que ainda ostentava as pequenas lanternas retangulares do roadster inglês. A promessa desse carro era fazer coisas impublicáveis e que as famílias decentes da época nem sonhavam em pensar com os concorrentes vindos de uma certa casa de Maranello, e isso tanto nos EUA como na Europa. |
O porquê de um carro inglês com motor Ford americano? Simples, as três grandes fábricas (ou montadoras como prefere a imprensa tupiniquim, mas ninguém chama a Apple, a HP, a Compaq e outras que só montam computadores de montadora...) eram alérgicas às competições devido aos altos custos, o que só iria mudar nos anos seguintes graças aos bons resultados do AC, que foi posteriormente batizado de “Cobra” (que significa em inglês “Naja” e não o nome vulgar e genérico da espécie que em inglês é snake.). O nome surgiu durante um sonho que Shelby teve durante uma noite, e pressentindo a proporção que esse nome tomaria no futuro, usou-o para batizar o Ex-Ace e a sua empresa.
O primeiro 427 em 1964 que prezava as polegadas cúbicas. Se o 238 era estúpido, o motor de 7.0l era brutal demais para o carrinho que teve que ser refeito. Idéia de Ken Miller para compensar a falta de velocidade final, que era na época de 230 km/h. Tinha 500 cv de potência e torque na casa dos 66 kgm/f. |
Teve que fazer tantas alterações que a FIA preferiu homologá-lo novamente. Como a Cobra não tinha todos os 100 carros exigidos e para ser inscrito somente como protótipo, mas para isso já tinha o Ford GT-40. Foram vendidos como carros de rua pelo preço de 2 Lincolns até 1967, mas hoje o preço de um deles equivale a de um Bugatti Veyron... |
De volta às pranchetas, o carro ganhou freios decentes e o chassi ganhou alguns reforços estruturais além de bitolas nos eixos dianteiros e traseiros para comportar novas rodas e pneus mais largos.Mas a adaptação do motor de 7l (427 polegadas cúbicas) exigiu extensas modificações no carro, o que exigiu uma nova homologação da FIA. E para efeitos de homologação deveria haver 100 carros prontos, mas o fiscal da entidade encontrou somente 51. E como a Ford já contava com o GT40 que abordaremos depois, o texano ficou com uma série de carros de competição inúteis. Ele não se abateu e vendeu todos como se fossem carros de rua pelo preço de dois Lincolns. Mas o outro engenheiro tinha a resposta e já a estava desenvolvendo. Veremos isso na segunda parte desse texto. Inté.
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