Para especialistas, faltam alternativas e perenidade nas campanhas de educação no trânsito.
Abrir mão do conforto de usar o próprio veículo e optar pelo transporte público ou individual não motorizado. Essa era a proposta do Dia Mundial sem Carro em diversos países do mundo, mas o apelo foi ignorado em muitos deles. No Brasil, apenas sete cidades aderiram à campanha e as cenas que se viram foram as mesmas de todos os dias: vias engarrafadas, sons de buzina e muitos carros levando apenas o passageiro.
Só para se ter ideia, em países como Áustria e Espanha, por exemplo, a adesão ao dia sem carro chegou a 454 e 626 cidades, respectivamente. Então, por que a ideia funciona melhor em outros países? Não há consenso, mas especialistas apontam algumas razões do insucesso da campanha no Brasil: a precariedade do sistema de transporte público e a supervalorização do automóvel pelo brasileiro.
As grandes cidades brasileiras participantes do evento são mal servidas de transporte coletivo e não oferecem condições adequadas para a locomoção a pé ou de bicicleta. “Poucos lugares têm ciclovia e ciclofaixa porque, no Brasil, bicicleta é sinônimo de lazer. Pode perceber que elas estão espalhadas em parques e orlas das cidades. A bicicleta nunca foi pensada como meio de locomoção e o poder público não criou infraestrutura para utilização dela”, afirma o pesquisador em políticas públicas de transporte pela UnB, Artur Morais.
Ele acrescenta. “Em países como Dinamarca e Holanda, as pessoas são autorizadas a entrar no metrô com a bicicleta. Em algumas localidades, há compartimentos específicos para esse fim”. Para ele, essas são apenas algumas ações que, de uma forma ou de outra, acabam incentivando quem escolhe meios alternativos para se locomover.
A questão cultural também pesa na decisão dos que não abrem mão do automóvel. “Muita gente está tão adaptada e dependente do uso do carro e a cidade é tão ruim de alternativas, que fica inviável para muitos deixar o carro na garagem”, explica Humberto Guerra, coordenador do grupo de ciclistas Mountain Bike BH, de Belo Horizonte.
Quem chega primeiro?
Desde 2006, Guerra é um dos responsáveis por organizar, anualmente, o Desafio Intermodal em Belo Horizonte - uma comparação de deslocamento feito por várias pessoas, cada uma usando um meio de transporte diferente. "Ao final, são comparados tempo gasto, calorias consumidas, poluentes emitidos e risco de acidentes. A cada ano, o carro vem piorando seu desempenho", pontua. O objetivo é incentivar a adoção de meios alternativos ao automóvel como forma de transporte, levando em consideração questões como poluição, saúde, interação com a cidade e também tempo de deslocamento. Este ano, o campeão do desafio, que acontece sempre na Semana Nacional de Trânsito, foi a bicicleta elétrica, que percorreu um trajeto de cerca de nove quilômetros em pouco menos de 20 minutos. O carro levou 54 minutos para fazer o mesmo caminho. Contabilizando tempo, velocidade e gasto, além de emissão de poluentes, entre todos os meios de locomoção participantes do desafio - bicicleta, moto, metrô, ônibus, carro e a pé - o desempenho das bikes foi melhor. O Desafio Intermodal também acontece em outras capitais do país.
Vislumbrar soluções acaba sendo uma das consequências de campanhas pontuais como o Dia sem Carro. Em muitos lugares, o problema do excesso de automóveis está sendo resolvido com medidas práticas durante o ano todo, e não apenas em uma data comemorativa, explica Guerra. “São restrições ao uso do automóvel - por exemplo, o pedágio urbano de Londres, sistemas de bicicletas públicas - como o Vélib parisiense e o Bicing de Barcelona, BRTs (Bus Rapid Transit), metrôs, bondes, aumento de ruas exclusivas para pedestres etc”, conclui.
Para José Mario de Andrade, engenheiro e diretor da Perkons, o Dia Mundial Sem Carro é um meio, e não um fim. “Campanhas marcantes, que propõem impacto com o objetivo de alertar para o caos do trânsito precisam de continuidade. É uma forma de educar o motorista, mas que têm pouca eficácia porque não conseguem ser inseridas na cultura do brasileiro”, pondera. “O Dia Mundial Sem Carro é, na verdade, uma forma de medir o nível de educação do povo com relação ao trânsito. Mas também, para que ele vire uma realidade, é preciso a contrapartida da infraestrutura”, finaliza.
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